quarta-feira, 6 de maio de 2009

Uma mescla de luzes

Não conseguia compreender direito a cena que estava vendo: a luz do poste que se extendia defronte o garoto de cabelos arrepiados, as três da manhã de um domingo, parecia se misturar com a árvore que a circundava.

Tinha que parar de beber. Tinha que parar de fazer estas caminhadas ridículas no meio da noite. Não era seguro para o corpo nem para o espírito.

Lá estava eu novamente, o garoto. Fazia uma noite calma, com vento nas copas das árvores quase aleatoriamente dispostas pelas quadras mórbidas brasilienses, uma cena comum de uma cidade que não tem hora do rush, que morre pouco antes do quarto minguante e que esconde suas pessoas aos domingos.

Agora quero que você imagine, perspicaz leitor, como é está mesma cidade numa madrugada de domingo: Nenhuma alma nas ruas. Volta e meia vê-se um carro passando cantando pneus ou despreocupadamente passeando com seu condutor trôpego, mas é só.

Se eu fosse esta cidade eu sentiria saudades das pessoas nos domingos. Eu invejaria o faustão, detentor de mais atenção por parte de meus habitantes do que eu com meus ipês! Invejaria as camas quentes e me entristeceria pelas almas que em minhas ruas vagam, sem que possam lembrar-se de si mesmas, por não haverem espelhos em volta com suas antigas faces nos rostos.

Eu teria raiva dos vândalos. Mas nem raiva, depois de um pedaço, poderia sentir deles. Afinal, quem me vê depois do ocaso senão eles? Quem liga mesmo que pejorativamente senão eles?

Se eu fosse esta cidade eu mandaria ao diabo o título de patrimônio histórico e ansearia o amor dos mais velhos que aqui estão, e que cada vez menos vejo passear nas entre quadras, com seus sorrisos costumeiros e olhar distante.

Se eu fosse esta cidade eu invejaria aquele garoto. Porque ele como alguém que tem suas raivas, seus impulsos e a quem direcioná-los, pode pensar somente nele, se assim desejar. Ele pode se arrepender, mesmo que não possa voltar atrás, e pode se lamentar por ser tarde demais quando sente falta de algo que perdeu.

Ele pode ficar arredio e soltando faíscas pelas pontas dos fios de cabelo só para provar um ponto de vista. Mais do que tudo isso, diferentemente de mim, ele tem sete dias de vida por semana.

A única coisa que eu, se fosse esta cidade não invejaria, é a capacidade do ser humano de não se importar.

É a ausência de perguntas.

Você se importa?
Carmani

Nenhum comentário:

Postar um comentário