sábado, 11 de agosto de 2012

A Consciência Azul

Sim, era verdade. A pergunta que atormentava aquela pobre alma e todas as outras que banhadas em desesperança tentavam em vão alcançar o firmamento. A pergunta que deixava marcas aos pouquinhos, criando cicatrizes profundas.

Certa vez, num desabafo como este, esta pergunta ressoara milhares de vezes na cabeça de um jovem insone, que hoje, com o sono igualmente desregulado, segurava a resposta em suas mãos como o novo brinquedo de natal tão esperado pela criança.

Será que ela existe?


Levantou-se levemente da cama e caminhou até a janela. De pé no parapeito, se jogou de lá de cima. Decolou numa velocidade tão atroz que num dado instante, as próprias linhas do tempo se desfizeram ao seu redor. O tempo voltava aos poucos até aquele fatídico dia que pasmem, não era apenas um dia de nuvens. Mas que o rapaz só havia descoberto agora.

Ela preparava suas coisas, animada, como sempre, para o encontro com o seu novo pretendente. Tinha certeza que tudo seria lindo o suficiente. Ele era lindo o suficiente, claro. Eles se sentariam no centro da cidade, em meio a todo o caos e todas a pessoas atarefadas e com o cair da noite observariam as estrelas juntos. Era tudo tão perfeito! Tinha planejado cuidadosamente o local. Haveria uma toalha, muitas pessoas olhando de soslaio (como se não houvesse sempre ao nosso redor, ou você nunca reparou?) e todas as constelações do zodíaco juntas para fazer companhia ao novo e inocente casal que por vontade daquele lindo coração, agora tinha a chance de se formar. 

Ao bater a porta de sua casa para sair ao encontro do rapaz, seu coração entrou em ressonância com o batido seco da madeira e aquela onda pôs-se a viajar lenta, devagar para o seu destino incerto. Talvez se naquele momento, houvesse um pouquinho mais de força naquele batido da porta. Talvez se ela houvesse saído cinco minutos antes, talvez se aquele rapaz desconhecido tivesse pego o ônibus correto ao sair do seu trabalho, tudo tivesse sido diferente. Entretanto...

Desceu no centro da cidade e caminhou ao longo do meio fio afim de chegar até a faixa de pedestres. Os ônibus e carros pararam e mesmo que inaudível, naquele ônibus parado para aquela garota passar, fez-se um gemido de dor e um muxoxo de desgosto.

Mais um sinal vermelho? Não acredito. Parece que o tempo está fechando novamente. É claro que está! Mas só vai ficar feio mesmo depois que você realmente não tiver aonde se abrigar, seu bobão, pensou ele consternado. Sua cabeça doía muito. A caminho da faculdade, num trânsito que quase nunca pegava, Aquele garoto não reparou a transeunte despreocupada com um computador nas mãos. Ele não reparou o sorriso brilhante e os cabelos negros e curtos que faziam seu rosto tão juvenil refletir relances de femininidade que apenas uma verdadeira mulher poderia mostrar. E o sinal se abriu. E ela se foi. E ele também se foi.

Mas ele de fato reparou e sentiu de leve, um calorzinho no peito de uma velha onda que viajava lentamente através do tempo e que finalmente o havia alcançado. Esta onda viaja há milhares de anos e conecta o coração daqueles que possuem sentimentos puros e os desejam encontrar e compartilhar no outro. Não deu atenção. O mundo era outro, como poderia saber? Com tanta dor e um dia tão ruim acontecendo, como poderia ser capaz de vislumbrar que um coração de igual poder e emoção estava passando bem ali, defronte seus olhos e não havia sido perspicaz o suficiente para perceber.

Não existiam mais as nuvens de mais cedo naquele dia. As estrelas se abriam para saudar o coração e seu encontro maravilhoso e o céu dava uma trégua justa para aqueles que acreditavam e em especial para aquela garotinha que caminhava a passos apressados para perto do shopping. Sentou-se e devaneou enquanto esperava. Sentia o coração palpitar. Mais ondas, incapazes de reboar tão forte sem o bater da porta. Olhou para as estrelas que apareciam contentes, sorrindo para ela. Quando ele também chegou.

Mas as estrelas estavam apenas no céu. A companhia se tornou um buraco negro que foi crescendo através de pensamentos racionais e bobos, desconsiderações de algo tão bonito que havia saído daquele coração e que simplesmente não conseguia alcançar o coração de um comum. O coração não estava lá. Era apenas mais uma cicatriz. E o julgamento veio. E o sentimento de se sentir tola por estar ali fazendo algo para alguém que não merecia. A dúvida de se de fato, todos pensavam como aquele sem-coração e ela era a única louca, sã, mas louca num mundo de pessoas cinzas.

Então como de praxe, veio o golpe. Aquele coração não só não estava lá, como a mentira se escondia por trás do rosto. Não havia sentimento algum. Era apenas o buraco negro se manifestando novamente, tentando engolir aquele coraçãozinho perante a lascívia social de um rostinho bonito que um rufião qualquer adoraria ver sorrir por não mais que duas noites.

E mesmo que as lágrimas não tenham corrido imediatamente pelo rosto de menina, as estrelas choraram. Choraram tanto e tão forte, que o céu se fechou no mesmo cinza emburrado daquela tarde que antecedeu este fato trágico. Foi embora dali em passos rápidos, abraçada com o computador, iria para a sua casa o mais rápido que pudesse, esqueceria daquilo e pensaria na chuva que se armava para cair.

Algumas horas depois, a chuva diminui um pouco, não poderia ter diminuído enquanto o moço até então desconhecido, se encontrava espremido em meio a tantos outros infelizes numa parada de ônibus enquanto tentavam, sem sucesso se proteger do temporal que se abatia sobre eles?

A sapiência azul existia e fez sua parte mesmo que aquele rapaz pensasse num motivo diferente.Saltou do ponto encharcado, ciente de uma nota ruim, mais doente do que nunca, morrendo de fome, sem os fones, o cigarro, mas diferentemente de outrora, ele estava com o azul. Mas não soube. O motivo de seu sorriso, achava ele, seria porque naquele momento tudo seria diferente com mais uma comum. Mal sabia que estaria ainda por muito tempo longe da velha onda e longe, mesmo que tão perto daquele coração que hoje havia sofrido.

Mas não. Ele sorriu para a estrela, não para o texto da mensagem sem vida. Ele sorriu para um pequeno fragmento de luz naquele céu escuro. Sorriu, sem saber que todas as constelações do zodíaco o esperavam dali em breve. Aquela estrela era o prenúncio de que existem dias bons e ruins e que aquilo que viria a acontecer, lembraria este dia. A estrela não estava oscilando, estava piscando para o rapaz o tempo todo.

E foi assim que retornou à janela, anos depois, desprovido de suas reflexões e com um sorriso que valeria por uma galáxia inteirinha. E todo aquele sentimento que jazia próximo daquele computador, naquele dia passado, naquele momento de dor, agora se alojava num peito amplo, desejoso e recíproco. Do jeito que a garotinha merecia que houvesse sido, desde o início. E o rapaz sorriu novamente e sorriu para a garotinha que sorriu de volta para ele. Não eram mais os mesmos mas a relação das duas histórias valeu a pena:

No fim das contas, todos exisitimos

Carmani

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Assim que aconteceu...

Eu achei que estava caindo, mas estava prestes a pular.
E quando achei que tudo estava sob controle, a loucura batia à minha porta.
Quando toquei em seus cabelos, você ainda caminhava na minha direção.
Quando eu disse que te amava você ainda estava no tesão.

Eu te olhei, cão, com um olhar canino que só nós conseguimos dar, pensando ter descoberto o arco-íris, mas você não havia olhado ainda.
E quando eu achei que tinha chegado lá (no arco-íris, não no olhar) descobri que nunca tinha visto um arco-íris, que cães não vêem cores e que eu nem sabia que era um cão até aquele momento.

Foi quando o coma chegou.

Foi bem assim que aconteceu:

Eu deslizava pelos cabelos tingidos e centenas de véus cobriam meus olhos. Um ser difuso de movimentos efêmeros se fazia complexo por trás de tantos panos.

Bailava no ar como se pendurado por um cordão de móbile.

E eu me senti o bebê que tenta em vão alcançar os peixinhos acima do berço. Mas na verdade, eu me fiz peixinho. Eu era o peixinho porque todo mundo sabe que os peixinhos adorariam ser alcançados. Deve ser muito chato ficar pendurado lá o dia todo quando você tem algo tão maravilhoso, exótico e bonito logo abaixo de você tentando te alcançar.

Imagine ter estrelas fosforescentes no teto que você não pode contemplar nem contar para dormir quando você estiver sem sono. Não é um pensamento horrível?

Eu fui um peixinho por algum tempo e fiquei peixinhando meu coma, à volta dos véus, dos arco-íris desconhecidos, dos bebês inocentes e dos cães alienados até que alguma coisa me alcançou.

Os orgasmos chegaram, e foi bem assim que aconteceu:

Os corpos tremiam lúcidos nos movimentos sincronizados de um sentimento mútuo. Pouco importava o inferno ao redor. O berço de lençóis enfatizava as curvas da pele, aquela covinha do queixo que eu tanto adorava em você e aquela minha barba que te irritava tanto.

E eu afaguei a covinha e tirei a barba e mudei meu jeito de vestir e de conversar. Larguei meus amigos e segui uma vida dedicada a você. Tudo em prol do toque das mãos do bebê que finalmente tinha me alcançado. Deixei de ser peixinho. Porém não podia deixar de sentir aquilo que nenhum dos outros pendurados tinha sentido.

Mas o berço deixou de ser um leito e as grades para que o bebê não caísse se fizeram cárcere. E voltei a ser cão. Lá estava eu dentro de um aquário. Afogado em mágoas e sentimentos perdidos. Como todos os canídeos de outrora, eu descobri que não sabia que era livre.
Descobri o que era liberdade quando a coleira já estava lá.

E eu estava um passo atrás o tempo todo. A minha consciência só veio depois que era era cão, me senti como bebê, me transformei em peixinho e fui tolo.

O ser flutuando efêmero era eu mesmo desesperado tentando mostrar que havíamos nos separado. Que eu tinha tido a liberdade roubada, meu tempo perdido, meu amor.

Agora que eu enxergo minha realidade, tive uma ideia:

Vou comprar um cachorro, criar um peixe, fazer um filho e gozar até entrar em coma.

E foi bem assim que aconteceu.

Carmani