segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Assim que aconteceu...

Eu achei que estava caindo, mas estava prestes a pular.
E quando achei que tudo estava sob controle, a loucura batia à minha porta.
Quando toquei em seus cabelos, você ainda caminhava na minha direção.
Quando eu disse que te amava você ainda estava no tesão.

Eu te olhei, cão, com um olhar canino que só nós conseguimos dar, pensando ter descoberto o arco-íris, mas você não havia olhado ainda.
E quando eu achei que tinha chegado lá (no arco-íris, não no olhar) descobri que nunca tinha visto um arco-íris, que cães não vêem cores e que eu nem sabia que era um cão até aquele momento.

Foi quando o coma chegou.

Foi bem assim que aconteceu:

Eu deslizava pelos cabelos tingidos e centenas de véus cobriam meus olhos. Um ser difuso de movimentos efêmeros se fazia complexo por trás de tantos panos.

Bailava no ar como se pendurado por um cordão de móbile.

E eu me senti o bebê que tenta em vão alcançar os peixinhos acima do berço. Mas na verdade, eu me fiz peixinho. Eu era o peixinho porque todo mundo sabe que os peixinhos adorariam ser alcançados. Deve ser muito chato ficar pendurado lá o dia todo quando você tem algo tão maravilhoso, exótico e bonito logo abaixo de você tentando te alcançar.

Imagine ter estrelas fosforescentes no teto que você não pode contemplar nem contar para dormir quando você estiver sem sono. Não é um pensamento horrível?

Eu fui um peixinho por algum tempo e fiquei peixinhando meu coma, à volta dos véus, dos arco-íris desconhecidos, dos bebês inocentes e dos cães alienados até que alguma coisa me alcançou.

Os orgasmos chegaram, e foi bem assim que aconteceu:

Os corpos tremiam lúcidos nos movimentos sincronizados de um sentimento mútuo. Pouco importava o inferno ao redor. O berço de lençóis enfatizava as curvas da pele, aquela covinha do queixo que eu tanto adorava em você e aquela minha barba que te irritava tanto.

E eu afaguei a covinha e tirei a barba e mudei meu jeito de vestir e de conversar. Larguei meus amigos e segui uma vida dedicada a você. Tudo em prol do toque das mãos do bebê que finalmente tinha me alcançado. Deixei de ser peixinho. Porém não podia deixar de sentir aquilo que nenhum dos outros pendurados tinha sentido.

Mas o berço deixou de ser um leito e as grades para que o bebê não caísse se fizeram cárcere. E voltei a ser cão. Lá estava eu dentro de um aquário. Afogado em mágoas e sentimentos perdidos. Como todos os canídeos de outrora, eu descobri que não sabia que era livre.
Descobri o que era liberdade quando a coleira já estava lá.

E eu estava um passo atrás o tempo todo. A minha consciência só veio depois que era era cão, me senti como bebê, me transformei em peixinho e fui tolo.

O ser flutuando efêmero era eu mesmo desesperado tentando mostrar que havíamos nos separado. Que eu tinha tido a liberdade roubada, meu tempo perdido, meu amor.

Agora que eu enxergo minha realidade, tive uma ideia:

Vou comprar um cachorro, criar um peixe, fazer um filho e gozar até entrar em coma.

E foi bem assim que aconteceu.

Carmani









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