terça-feira, 28 de abril de 2009

A Sapiência Azul

Desde o momento que o despertador tocou, estridente, o rapaz na cama a poucos metros dali já sabia, ainda dormindo, que não deveria se levantar.
Os olhos se abriram e a garganta explodiu em chamas, a dor se alastrava ao longo da traquéia e causava imenso desconforto. Os olhos inchados com muitas olheiras e a fronte inflamada como se houvesse dormido com a testa em cima de uma chapa de fast food contribuíam para aquele conhecimento adiantado: o dia não seria nada fácil.

Se levantou a contragosto enquanto um vento gélido percorria seu corpo quase desnudo fazendo-o estremecer. Olhou para o céu lá fora e voou para qualquer lugar que não fosse o que ele deveria estar dali a pouco menos de uma hora.

Depois dos tratamentos de praxe; banho, café da manhã (e quando digo café da manhã eu realmente me refiro a uma xícara de café) e roupas formais, saiu apressado afim de tomar o ônibus. Todos sabemos que quando o dia vai ser de cão e você tem carro, você opta pelo ônibus.


Nós todos também sabemos que você apenas se lembrará que esqueceu alguma coisa quando estiver longe demais para voltar e perto o suficiente para ficar muito puto.

Sabemos que se você deixar passar um ônibus meio cheio para esperar um mais vazio, um muito mais cheio do que aquele chegará no último momento e o motorista só estará adiantado com o horário dele se você estiver atrasado com o seu.

Resmungou pela ausência dos fones, do crachá necessário no trabalho e de um maço de cigarros extra. Da próxima vez esqueceria a cabeça, não era tão importante. Chegando no ponto com um cigarro no bico e pensando em nada mais além de sua cama, quis voar novamente no céu. Havia esquecido o isqueiro (¬¬') porém encontrou na rua, uma moça que tinha fósforos.

O céu de Brasília, como diz um sábio escritor, é o mais azul do Brasil e o Brasil tem o céu mais azul do mundo. Apesar da brisa frígida e daquele jeito sem graça de segunda-feira, o céu possuía o azul demonstrado na bandeira, límpido, sereno, com cores que variavam de um amarelo leve próximo ao sol que nascia tímido, até um gelo potente que retratava as nuvens dissolvidas na madrugada anterior, agora parte do orvalho que cobria a grama que molhou seus sapatos de camurça insistentemente durante a caminhada até onde pegaria a condução.

Ficou ali naquela relação íntima com o celestial, dentro de um transporte que só tinha espaço nas portas e janelas (do lado de fora) até chegar ao seu destino final (o cigarro tinha acabado faz tempo, vocês não perceberam?). Infelizmente onde tinha ido não haviam muitas janelas e só pôde ver o céu uma vez mais até a hora do almoço. Uma dor de cabeça fortíssima o atormentava. O Céu ainda estava azul, entretanto.

A tarde transcorreu com o humor mudando para a melancolia e o céu para um cinza emburrado, querendo mostrar o quanto era poderoso. Havia mandado uma mensagem a ela pela manhã. Tinha ligado, sem resposta. Estaria bem? Não o havia respondido. Sentia saudades.

A garganta continuava doendo quando a noite começou. O dia se transformou de um ciano bonito a um cinza carregado, acompanhado de uma leve chuva, quando saiu novamente para pegar o ônibus. Não havia mais azul no céu e nenhuma estrela conseguiu uma brechinha na cortina de nuvens negras que havia nessa noite. Não conseguiu ver o pôr do sol tampouco e isto o entristecia.

A prova na qual deveria ter se saído bem foi péssima. Havia estudado tanto! Um branco enorme de idéias, o conteúdo fugiu. Só conseguia pensar no céu enquanto lá dentro. Ela não havia ido à universidade e depois de uma troca de mensagens, disse estar no hospital. Antes disto já chovia um pouco mais.

Hora de ir pra casa, o mundo estava desabando. O cigarro havia acabado e mesmo que não houvesse, seria mais fácil fumar uma lanterna que acender uma chama qualquer naquele tempo. Praguejou a ausência dos fones de novo, mas desta vez sentiu mais pelo casaco que também esquecera.

Disse a ela que estava indo embora. O ônibus chegou novamente, pela quarta vez no dia, e uns dois minutos depois de entrar lá, a chuva diminuiu um pouco. Não poderia ter diminuído quando estava espremido no ponto com outras pessoas que tentavam se abrigar do temporal que se abatia sobre eles? Divertiu-se por uns instantes com esse pensamento. Nos tempos imemoriáveis a desgraça humana já era motivo de entretenimento; hoje em dia as coisas não haviam mudado tanto. Mas com certeza estavam mais discretas.

Uma canção perpassou a cabeça levando aquela reflexão para longe.


Uma mensagem chegou.
Ela dizia que sentia muito por tantas nuvens, dizia que sentia falta dele, dizia que estava bem e que queria vê-lo em breve.


Foi então que uma estrela apareceu no céu e piscou para o jovem sorrindo feito bobo. A estrela permaneceu uns bons dez minutos no curso do ônibus, brilhando em um ritmo oscilante como a respiração de quem está correndo. O movimento das nuvens finalmente a encobriu, todavia sempre uma outra aparecia num viés para dar um tchauzinho para aquele dia que terminava e para que o rapaz virasse a cabeça rapidamente com os olhos faiscantes, como se estivesse próximo a desvendar os mistérios do universo, chamando a atenção das pessoas ao redor e fazendo papel ridículo.

Saltou do ponto encharcado, ciente de uma nota ruim, mais doente do que nunca, morrendo de fome, sem os fones, o cigarro, o casaco e até mesmo o azul... Mas ainda assim sorria.

O rapaz entendeu que em algumas poucas vezes, bem poucas, a saudação de um anjo faz valer a pena ter vivido o inferno.

Deitou a cabeça no travesseiro, contente, alimentado, seco, medicado, ouvindo uma música baixinha e bem aquecido. Mas acima destas coisas: Deitou-se com o pensamento no céu do dia seguinte e no sorriso que traria ao rapaz novamente...


E antes de adormecer, desejou isso...



"Qual o valor de um gesto para você?"
Carmani

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